sexta-feira, 19 de março de 2010

Para M.T. & Oscar

..."Sabe do que é que estava sorrindo? Você preencheu que era escritor por profissão. Pareceu-me como o mais adorável dos eufemismos que já ouvi: Quando é que escrever foi sua profissão? Nunca foi outra coisa além de sua religião. Nunca. Agora estou excitado demais. Já que é sua religião, sabe o que é que lhe vai ser perguntado quando morrer? Mas deixe-me dizer antes o que não vão lhe perguntar. Não vão lhe perguntar se estava trabalhando numa maravilhosa e comovente obra quando morreu. Não vão lhe perguntar se era longa ou curta, alegre ou triste, publicavel ou não publicavel. Não vão lhe perguntar se estava em boa ou má forma enquanto trabalhava nela. Não vão nem lhe perguntar se era aquela a obra que estaria trabalhando se soubesse que o seu tempo estava se esgotando (...) Tenho certeza de que só lhe perguntarão duas coisas. Estavam todas as suas estrelas luzindo? Você estava ocupado escrevendo com todo o seu coração? Se apenas soubesse como seria fácil para você responder sim a ambas as questões. Se apenas se lembrasse sempre antes de se sentar para escrever que você era leitor muito antes de ser escritor. Simplesmente fixe isto na cabeça, daí sente muito calmo e pergunte a sim mesmo, como leitor, que texto entre todos os que existem no mundo Buddy Glass mais gostaria de ler se ouvisse o palpite do seu coração. O próximo passo é terrível, mas tão simples que mal posso acreditar enquanto o escrevo. Você simplesmente se senta e escreve-o você mesmo. Não vou nem sequer sublinhar isso. É importante demais para ser sublinhado. Oh, Buddy, ouse fazê-lo! Ouça o seu coração. (...) Ele nunca o trairá."

J D Salinger - "Pra cima com a viga, moçada! e Seymour-uma introdução" - Ed Brasiliense, 3ª Edição - tradução de Alberto Alexandre Martins
-> faz parte da coleção L & PM Pocket...

segunda-feira, 15 de março de 2010

Inverno

No dia em que fui mais feliz
Eu vi um avião
Se espelhar no seu olhar até sumir

De lá pra cá não sei
Caminho ao longo do canal
Faço longas cartas pra ninguém
E o inverno no Leblon é quase glacial

Há algo que jamais se esclareceu
Onde foi exatamente que larguei
Naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei

Lá mesmo esqueci que o destino
Sempre me quis só
no deserto sem saudade, sem remorso só
Sem amarras, barco embriagado ao mar

Não sei o que em mim
Só quer me lembrar
Que um dia o céu
reuniu-se à terra um instante por nós dois
pouco antes do ocidente se assombrar.

-> Adriana Calcanhoto e Antonio Cicero, no disco A Fabrica do Poema

segunda-feira, 8 de março de 2010

Dia Internacional da Mulher

"A extorsão,
o insulto,
a ameaça,
o cascudo,
a bofetada,
a surra,
o açoite,
o quarto escuro,
a ducha gelada,
o jejum obrigatorio,
a comida obrigatoria,
a proibição de sair,
a proibição de se dizer o que se pensa,
a proibição de fazer o que se sente,
e a humilhação pública
são alguns dos métodos de penitência e tortura tradicionais na vida da familia. Para castigo à desobediência e exemplo de liberdade, a tradição familiar perpetua uma cultura do terror que humilha a mulher, ensina os filhos a mentir e contagia tudo com a peste do medo.
- Os direitos humanos deveriam começar em casa - comenta comigo, no Chile, Andrés Domínguez."

Eduardo Galeano, "Mulheres" - L&PM Pocket, 1991